quinta-feira, 19 de março de 2015

Porque somos uma massa servil

     Nossa América nasceu para satisfazer as necessidades alheias. A façanha do descobrimento da América não poderia se explicar sem a tradição militar da Guerra das Cruzadas, que imperava na Castela Medieval, e a Igreja não se z de rogada para atribuir caráter sagrado à conquista de terras incógnitas do outro lado do mar.
     A América era um vasto império do Diabo, de redenção impossível ou duvidosa, mas a fanática missão contra a heresia dos nativos se confundia com a febre que, nas hostes da conquista, era causada pelo brilho dos tesouros do Novo Mundo.
     Na Idade Média, uma bolsa de pimenta valia mais do que a vida de um homem, mas o ouro e a prata eram as chaves que o Renascimento usava para abrir as portas do Paraíso no céu e as portas do mercantilismo capitalista na Terra. A epopéia de espanhóis e portugueses na América combinou a propagação da fé cristã com a usurpação e o saque das riquezas indígenas.
     Havia de tudo ente os indígenas da América: astrônomos e canibais, engenheiros e selvagens da Idade da Pedra. Mas nenhuma das culturas nativas conhecia o ferro e o arado, o vidro e a pólvora, e tampouco empregava a roda. A civilização que se abateu sobre essas terras, vindas do outro lado do mar, vivia a explosão criadora do Renascimento: a América surgia como uma invenção a mais, incorporada junto com a pólvora, a imprensa, o papel e a bússola ao agitado nascimento da Idade Moderna. O desnível de desenvolvimento dos dois mundos explica em grande parte a relativa facilidade com que sucumbiram as civilizações nativas.
     Os conquistadores praticavam também, com muita habilidade a política: técnica da traição e da intriga, que explica como funciona até hoje a nossa política.
     Assim, nosso povo continua trabalhando como serviçal, continua existindo para satisfazer as necessidades alheias. A chuva que irriga os centros do poder de nossas classes dominantes - dominantes para dentro, dominadas de fora - é a maldição de nossas multidões, condenadas a uma vida de bestas de carga.
     Hoje para o mundo, América é tão só os Estados Unidos, e nós quando muito habitamos uma sub-América, uma América de segunda classe, de nebulosa identidade.
     Do descobrimento aos nossos dias, tudo sempre se transformou em capital europeu, ou mais tarde norte-americano, e como tal se acumulou e ainda se acumula nos distantes centros do poder.