quarta-feira, 8 de abril de 2015

A decadência da Argentina

O melhor negócio do mundo é comprar um argentino pelo que ele realmente vale e revendê-lo pelo que ele acha que vale.
O pano de fundo desta piada é o orgulho argentino, conhecido em todo mundo.
É este mesmo orgulho que está na raiz da rivalidade entre Brasil e Argentina, algo que transcende o futebol.

Basta imaginar que até o início dos anos 50 a Argentina era a sexta maior economia do mundo, com uma população escolarizada, recursos naturais abundantes e uma indústria pujante que disputava de igual para igual, até mesmo em setores de alta tecnologia, como o automotivo.
E não se tratavam de apenas filiais estrangeiras.
A Argentina tinha sua própria marca de automóveis (SIAM), além de várias outras de eletrodomésticos.
A riqueza argentina era tamanha que o país, em 1920, chegou a ter reservas em ouro superiores ao decadente império britânico e ao emergente novo império norte-americano.
Era praticamente um “europeu” latino americano.
Não por acaso, o país tornou-se o destino preferido de milhões de refugiados das duas guerras mundiais, inclusive de carrascos nazistas acolhidos por Perón.

Meio século depois, a Argentina não passa de mais um problemático país latino-americano, com as conhecidas mazelas que afligem o continente, como favelas, violência crescente, inflação galopante, analfabetismo, doenças epidêmicas, entre outros.
A decadência da Argentina é tão evidente que o país virou um caso internacional, citado como um raro país que “involuiu” nas últimas décadas.

Uma rápida comparação com o Brasil dá uma ideia da decadência dos nossos hermanos.
A economia que até os anos 50 era maior que a nossa, hoje é menor que a economia do estado de São Paulo. Agora imagine-se na pele de um argentino que viveu este apogeu, ver o país hoje em mais uma moratória, com uma inflação de 40%, dependente da economia brasileira e, claro, vendo os “macacos” brasileiros serem campeões mundiais por cinco vezes...

Mas afinal, o que causou toda esta decadência?
Como a Argentina conseguiu empobrecer justamente no momento em que tantos países antes miseráveis ascenderam econômico e socialmente, a ponto de alguns deles integrarem hoje o clube dos ricos?
A Argentina é vítima do que Hayek chamou de “caminho da  servidão”, um processo lento e gradual de coletivização, aumento do intervencionismo estatal e polarização da sociedade em diferentes níveis.
O início de tal processo tem uma data: 04/06/1946, dia da chegada de Perón ao poder.
O simpatizante de Hitler e Mussolini iniciou uma tradição populista na Argentina que dura até os dias de  hoje.

A exemplo de Getúlio Vargas no Brasil, que instituiu os direitos trabalhistas inspirados na Carta del Lavoro de Mussolini e se tornou o “pai dos pobres”, Perón dividiu a Argentina entre seus apoiadores (o bem, o povão, os “trabalhadores”) e seus adversários (o mal, os “exploradores capitalistas”, a velha “elite colonial” ).
E como sempre acontece nestes casos, os discursos inflamados dos “pais dos pobres” conquistaram os eleitores da base da pirâmide.

Começou então uma simbiose entre a nova elite governante trabalhista/socializante, que precisa dos votos da massa para continuar oferecendo-lhes novas “conquistas”, e a massa, que descobre o poder do voto e passa a endeusar seus ídolos.
A conquista da hegemonia da opinião publica passa a moldar também os políticos.
Com medo de se colocarem “contra os pobres”, até mesmo políticos da antiga aristocracia migraram para a base do governo peronista.

Aos poucos, a oposição foi minguando, ao mesmo tempo em que a Argentina transformava-se numa república sindicalista.
E mais uma vez, como sempre acontece, no começo tudo é festa.
Aumento do salário mínimo acima da inflação, aumento do crédito, crescimento recorde, nacionalização de multinacionais, grandes obras, políticas de transferência de renda e tudo o mais que já nos é bem familiar.
Mas todo crescimento artificial tem um preço.
A verdade vem com o tempo e com ela os efeitos negativos decorrentes do excessivo intervencionismo governamental.

Ao final do primeiro mandato de Perón, a Argentina já dava claros sinais de crise, com as exportações caindo pela metade, reservas se esvaindo e aproximando a balança comercial de um déficit histórico, uma vez que até então a Argentina tinha sempre grandes superávits.
Apesar de todos estes sinais, o caudilho conseguiu mudar a legislação que lhe deu mais cinco anos de mandato.

O segundo mandato foi ainda pior, abrindo espaço para o primeiro de uma sequencia de golpes militares só interrompido nos anos 70 com um breve período de redemocratização onde, mais uma, vez o peronismo voltou ao poder.
E como da primeira vez, em pouco mais de um ano de governo, Perón já multiplicou a inflação que chegou a 74% em 1974.
Dois anos depois, chegaria à casa dos 954%!
Para completar a tragédia argentina, Perón morreu em pleno mandato, o que o elevou ainda mais a categoria de mito.
Sua terceira mulher, “Isabelita”, assumiu então o governo e continuou seu projeto populista, afundando ainda mais a economia argentina.

E como sempre acontece na América Latina, os militares estão sempre prontos para um novo golpe.
E foi o que aconteceu.
Em 1976, começava um dos regimes mais truculentos da América Latina.
A esta altura, além de Perón e Evita, a segunda esposa que quase vira santa, a Argentina já tinha um novo mito para cultuar: Che Guevara.
Agora, além dos adversários peronistas, os desastrados militares argentinos tinham também como novos inimigos os diversos movimentos de esquerda que se organizavam em toda a América Latina e que tentavam chegar ao poder pela via armada.

Paralelamente, a exemplo do que aconteceu no Brasil e em todo mundo, o marxismo cultural passou a dominar os meios acadêmicos e culturais, avançando gradativamente por todas as demais áreas estratégicas para a construção da “nova mentalidade” gramisciana.

No campo econômico, o segundo período militar argentino herdou a época do choque do petróleo que culminou com o aumento expressivo dos juros em 1982, os quais elevaram substancialmente as dívidas dos países do chamado Terceiro Mundo.

A nova redemocratização veio em 1983 com Raul Alfonsín que, a exemplo de Sarney no Brasil, fracassou redondamente no combate a inflação.
A nova esperança surgia na figura populista de um novo peronista, Carlos Menem, em 1989.
Os tempos agora eram outros.
Não havia mais espaço para novas “conquistas trabalhistas” como no passado.

A grave crise dos anos 90 levou Menem a ser pragmático, aderindo ao Consenso de Washington, a odiada “cartilha neoliberal”.
Suas raízes populistas peronistas, no entanto, não lhe permitiram executar bem as dez recomendações do Consenso de Washington (confira o post que compara os governos argentino e brasileiro na execução das tais recomendações).
Apesar disso, Menem passou a ser apontado pelos esquerdistas como o maior exemplo de fracasso das políticas “neoliberais”.

Um dos seus principais erros foi desobedecer à diretriz que recomendava câmbio flutuante.
Ao invés disso, ele dolarizou a economia argentina, instituindo a paridade entre o peso e o dólar.
E como previsto por diversos economistas, ao longo dos anos a situação da Argentina foi se agravando paulatinamente, a ponto de quebrar duas vezes em um intervalo de quatro anos.

Em meio a mais profunda crise da história da Argentina que culminou com mais uma moratória em 2002, eis que surge um novo salvador da pátria, também peronista: Néstor Kirchner.
E assim como no Brasil, quando Lula assumiu justamente no início do ciclo de maior crescimento do capitalismo desde o final da II Guerra Mundial, Kirchner começou a contar com o aumento expressivo das receitas decorrentes do aumento dos preços dos seus principais produtos de exportação.
E assim Kirchner surfou na onda da globalização chinesa, esquecendo, no entanto, de fazer reformas estruturais para tornar o crescimento sustentável nos próximos anos.
Terminado o período do boom de crescimento global, as mazelas da economia argentina começaram a reaparecer.
E o governo dos Kirchner que começou com um calote da dívida externa vai terminar da mesma forma, com um novo calote, com uma inflação galopante.

E mais uma vez a história se repete.
A Argentina não aprende com os próprios erros, tornando-se cada vez mais refém da mentalidade populista que asfixia a economia e produz políticos mais interessados no poder do que realmente resolver os problemas argentinos.
Qualquer semelhança (CONOSCO)não é mera coincidência...

Le Diable Rouge

Este diálogo, da peça teatral "Le Diable Rouge", de Antoine Rault, entre os personagens Colbert e Mazarino, durante o reinado de Luís XIV, século XVIII, demonstra que  vivemos esta realidade:  
Colbert:- Para arranjar dinheiro, há um momento em que enganar o contribuinte já não é possível. Eu gostaria, Senhor Superintendente, que me explicasse como é possível continuar a gastar quando já se está endividado até o pescoço…
Mazarino:- Um simples mortal, claro, quando está coberto de dívidas e não consegue honrá-las, vai parar na prisão. Mas o Estado é diferente! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se… Todos os Estados o fazem!
Colbert:- Ah, sim? Mas como faremos isso, se já criamos todos os impostos imagináveis?
Mazarino:- Criando outros.
Colbert:- Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres.
Mazarino:- Sim, é impossível.
Colbert:- E sobre os ricos?
Mazarino: -E os ricos também não. Eles parariam de gastar. E um rico que gasta faz viver centenas de pobres.
Colbert: - Então, como faremos?
Mazarino: - Colbert! Tu pensas como um queijo, um penico de doente! Há uma quantidade enorme de pessoas entre os ricos e os pobres: as que trabalham sonhando enriquecer e temendo empobrecer. É sobre essas que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais! Quanto mais lhes tirarmos, mais elas trabalharão para compensar o que lhes tiramos. Formam um reservatório inesgotável. É a classe que poderemos chamar de "classe  média"!