domingo, 5 de julho de 2015

Sonho

Sonho que sou a Poetisa eleita, 
Aquela que diz tudo e tudo sabe, 
Que tem a inspiração pura e perfeita, 
Que reúne num verso a imensidade! 

Sonho que um verso meu tem claridade 
Para encher todo o mundo! E que deleita 
Mesmo aqueles que morrem de saudade! 
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita! 

Sonho que sou Alguém cá neste mundo ... 
Aquela de saber vasto e profundo, 
Aos pés de quem a Terra anda curvada! 

E quando mais no céu eu vou sonhando, 
E quando mais no alto ando voando, 
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ... 

Nosso Livro

Livro do meu amor, do teu amor, 
Livro do nosso amor, do nosso peito... 
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito, 
Como se fossem pétalas de flor. 

Olha que eu outro já não sei compor 
Mais santamente triste, mais perfeito 
Não esfolhes os lírios com que é feito 
Que outros não tenho em meu jardim de dor! 

Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu! 
Num sorriso tu dizes e digo eu: 
Versos só nossos mas que lindos sois! 

Ah, meu Amor! Mas quanta, quanta gente 
Dirá, fechando o livro docemente: 
"Versos só nossos, só de nós os dois!...

Amor

Por essa vida fora hás de adorar 
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca, 
Em infinito anseio hás de beijar 
Estrelas de ouro fulgindo em muita boca! 

Hás de guardar em cofre perfumado 
Cabelos de ouro e risos de mulher, 
Muito beijo de amor apaixonado; 
E não te lembrarás de mim sequer... 

Hás de tecer uns sonhos delicados... 
Hão de por muitos olhos magoados, 
Os teus olhos de luz andar imersos!... 

Mas nunca encontrarás pela vida afora, 
Amor assim como este amor que chora 
Neste beijo de amor que são meus ver

Beijo

Horas profundas, lentas e caladas 
Feitas de beijos rubros e ardentes, 
De noites de volúpia, noites quentes 
Onde há risos de virgens desmaiadas... 

Ouço olaias em flor às gargalhadas... 
Tombam astros em fogo, astros dementes, 
E do luar os beijos languescentes 
São pedaços de prata pelas estradas... 

Os meus lábios são brancos como lagos... 
Os meus braços são leves como afagos, 
Vestiu-os o luar de sedas puras... 

Sou chama e neve e branca e misteriosa... 
E sou, talvez, na noite voluptuosa, 
Ó meu Poeta, o beijo que procuras! 

Em ti

Em ti o meu olhar fez-se alvorada, 
E a minha voz fez-se gorjeio de ninho, 
E a minha rubra boca apaixonada 
Teve a frescura pálida do linho. 

Embriagou-me o teu beijo como um vinho 
Fulvo de Espanha, em taça cinzelada, 
E a minha cabeleira desatada 
Pôs a teus pés a sombra dum caminho. 

Minhas pálpebras são cor de verbena, 
Eu tenho os olhos garços, sou morena, 
E para te encontrar foi que eu nasci... 

Tens sido vida fora o meu desejo, 
E agora, que te falo, que te vejo, 
Não sei se te encontrei, se te perdi... 

Do que vivemos

A verdade é que a gente sempre acha que depois de um estrondo, aquele zumbido no ouvido nunca vai passar. Mas passa. Quando menos esperamos, acaba. Nenhum dano pode ser tão permanente assim na vida. A única morte que mata é a dos órgãos. De todas as outras - de amor, de medo ou de dor - a gente revive na manhã seguinte. É certo que o sol pode demorar a raiar, de semanas à décadas, mas que a lua sempre dará lugar à ele, uma hora ou outra, todo o mundo está cansado de saber. A verdade é que sempre existe um outro alguém por quem vale a pena escrever uma prosa e um outro sorriso pelo qual vale a pena sorrir. A gente sai de um quarto escuro achando que a visão será para sempre manchada, mas não. Não se sai intacto de um baque, mas se sai vivo. E cada resto de vida, ainda é vida. Apesar dos danos, das deficiências e dos pequenos pedaços que a gente vai deixando pelo caminho, existe sempre uma prótese para consertar. Porque morrer a gente morre todo dia, se não for de dor de dente, é de dor de cotovelo. Mas e daí? Quem sabe de quantos epitáfios toda uma vida é feita? A verdade é que cada dia que a gente acha que morre e encontra uma frase perfeita para um discurso póstumo, a gente renasce e descobre que não, não é para tanto. A gente renasce e descobre que ainda estamos distantes do fim. E talvez a gente morra na manhã seguinte outra vez: se não for de medo é de fome. E, no entanto, tudo segue intacto no restante do universo. Cabe a nós descobrir os outros sonhos para sonhar, outos caminhos a seguir ou outros amores para amar. A verdade é que a gente acha que sempre vai morrer de amor, mas é disso que a gente vive.