segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Beijo

Dentre os muitos beijos disponíveis na literatura, penso em dois: aquele descrito na Montanha Mágica quando Clawdia beija Castorp e o ocorrido entre Bento e Capitu em Dom Casmurro. Se o primeiro não selou um destino, deu ao menos estofo para o rapaz colocar os pés no chão e abandonar um pouco as elucubrações  que ocupavam sua mente. O segundo... Bem, no segundo todo o mundo sabe o que aconteceu. Mais do que selar duas vidas, o evento, em sua forma enviesada, antecipou as frestas de uma mente torturada pela banalidade do cotidiano: em uma vida sem graça, o que vale um beijo?
- Que vale um beijo? Um acontecimento, sem dúvida. Observando um casal que se devora, todo língua, saliva, gestual, serpenteante, algo me intriga: - Por que a necessidade de exibicionismo? Por que ninguém escapa da tentacao de dar/assistir um espetáculo pelas esquinas? Estes beijos sumarentos importam? Eu olho e penso: Um beijo não e só o que se vê. Tem muito de autofelacao narcísica levada ao extremo. Debulha-se o outro como se fosse um falo alvissaro,  de onde se pode extrair a energia para a estrada de mais um dia.
Então eu não posso parar de pensar em minha avó : " Com esses beijos, todo o mundo se enche de bichinhos." - Bichinos Vo? Do que a senhora está falando? Risos de mofa :"Falo daqueles bichinhos invisíveis que matam não somente o corpo, mas principalmente a alma." Moralismo a parte, talvez ela estivesse sintonizada com La Serne : " As vezes o beijo não passa de um chiclete compartilhado."


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