domingo, 5 de julho de 2015

Do que vivemos

A verdade é que a gente sempre acha que depois de um estrondo, aquele zumbido no ouvido nunca vai passar. Mas passa. Quando menos esperamos, acaba. Nenhum dano pode ser tão permanente assim na vida. A única morte que mata é a dos órgãos. De todas as outras - de amor, de medo ou de dor - a gente revive na manhã seguinte. É certo que o sol pode demorar a raiar, de semanas à décadas, mas que a lua sempre dará lugar à ele, uma hora ou outra, todo o mundo está cansado de saber. A verdade é que sempre existe um outro alguém por quem vale a pena escrever uma prosa e um outro sorriso pelo qual vale a pena sorrir. A gente sai de um quarto escuro achando que a visão será para sempre manchada, mas não. Não se sai intacto de um baque, mas se sai vivo. E cada resto de vida, ainda é vida. Apesar dos danos, das deficiências e dos pequenos pedaços que a gente vai deixando pelo caminho, existe sempre uma prótese para consertar. Porque morrer a gente morre todo dia, se não for de dor de dente, é de dor de cotovelo. Mas e daí? Quem sabe de quantos epitáfios toda uma vida é feita? A verdade é que cada dia que a gente acha que morre e encontra uma frase perfeita para um discurso póstumo, a gente renasce e descobre que não, não é para tanto. A gente renasce e descobre que ainda estamos distantes do fim. E talvez a gente morra na manhã seguinte outra vez: se não for de medo é de fome. E, no entanto, tudo segue intacto no restante do universo. Cabe a nós descobrir os outros sonhos para sonhar, outos caminhos a seguir ou outros amores para amar. A verdade é que a gente acha que sempre vai morrer de amor, mas é disso que a gente vive.

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